Este tutorial apresente uma análise, sob a ótica da sua legalidade, das principais estratégias de fidelização existentes no mercado e aplicadas atualmente aos serviços de telecomunicações. Pretende-se, ainda, oferecer ao leitor uma série de “testes” quanto a tais estratégias com vistas a determinar o seu nível de aderência à legislação em vigor.
Advogado e Especialista em Regulação de Telecomunicações pela Universidade de Brasília – UnB, Mestre em Regulação pela London School of Economics (LSE).
Atuou como advogado em grande escritório nas áreas de Direito das Telecomunicações e Defesa da Concorrência, e como Gerente Jurídico da área Regulatória e Concorrencial de uma grande operadora de telecomunicações em São Paulo.
Atualmente é Sócio de Caldas Pereira Advogados, atuando em São Paulo e Brasília.
Email: luciano.costa@caldaspereira.adv.br
A competição no setor de telecomunicações é crescente, resultado principalmente do aumento de eficiência das prestadoras e de avanços tecnológicos como a massificação de serviços baseados em Protocolo Internet (IP), que possibilitam efetiva convergência entre diferentes serviços de telecomunicações prestados por meio de uma mesma infra-estrutura. Além disso, há circunstâncias específicas, como a substituição das linhas fixas por serviços móveis – gerando assim algum nível de competição entre esses serviços – e o crescimento da banda larga sem fio, aumentando também a competição no acesso à Internet em alta velocidade. Ainda, não se pode esquecer que após 12 anos de vigência da LGT, com uma atuação permanente da Agência Nacional de Telecomunicações, houve efetivo impacto no aumento do nível de competição no setor.
Embora muitos ainda considerem tímida a concorrência existente, parece evidente que, se o poder de mercado das operadoras incumbentes ainda não retrocedeu de forma significativa em alguns serviços, a regulamentação ao menos foi capaz de evitar o seu aumento. Isso, na prática, acabou por resultar em um razoável nível de competição em muitos segmentos de mercado do setor de telecomunicações. É possível afirmar que há atualmente um bom nível de competição nos segmentos de telefonia móvel, serviços corporativos (dados e voz) e TV paga. No caso de acesso banda larga, a competição é crescente e voraz, mas ainda muito restrita aos grandes centros. O caso crônico parece ser mesmo a telefonia fixa residencial, cujas características de quase monopólio natural resistem de forma irritante a um aumento do nível de competição. Entretanto, no caso de telefonia fixa, é patente que a sua importância no setor de telecomunicações vem se reduzido ano a ano com impressionante rapidez.
Nesse cenário de competição, ainda que parcial e imperfeita, a captura e a manutenção dos clientes são cada vez mais custosas, pois implicam, na maioria das vezes, em disponibilizar uma oferta consideravelmente mais interessante para o usuário do que outras existentes no mercado. Recentemente, a portabilidade veio acrescentar mais um elemento relevante, na medida em que uma importante barreira à mudança de operadora – o número telefônico – deixa de ser questão intransponível. Assim, a fidelização – entendida como o esforço da operadora para manter seus clientes – surge como o objetivo primordial das ações comerciais das prestadoras de serviços de telecomunicações.
Este artigo objetiva analisar, sob a ótica da sua legalidade, as principais estratégias de fidelização hoje existentes no mercado. Pretende-se, ainda, oferecer ao leitor uma série de “testes” quanto a tais estratégias com vistas a determinar o seu nível de aderência à legislação em vigor. Para tanto, deve-se considerar tais estratégias basicamente sob dois ângulos de análise: o consumerista – relativamente à conformidade com a legislação de defesa do consumidor – e o concorrencial – relativamente à conformidade com a legislação e o “case law” de defesa da concorrência. O leitor mais atento pode perguntar se não há necessidade de um teste de conformidade regulatória. Ocorre que as estratégias de fidelização existentes – como se verá a seguir – não são, e nem poderiam ser, francamente contrárias à regulamentação em vigor, sob pena de surgirem natimortas, fulminadas pelos próprios setores internos de controle das operadoras e pela reação da Agência Reguladora. Assim, a contrariedade à norma regulatória provavelmente surgirá não de um cotejo imediato das condições contratuais de fidelização, mas sim de uma análise um pouco mais acurada que venha a apontar violação à lei na existência de um dos dois aspectos: prejuízo aos usuários-consumidores ou dano à concorrência. Por isso, efetuar os testes focando nestes dois vetores provavelmente trará uma boa margem de segurança, inclusive no que tange às obrigações regulatórias.
A análise limitar-se-á ao mercado residencial, deixando as estratégias de fidelização envolvendo o segmento corporativo, que são baseadas nos mesmos princípios, mas normalmente mais sofisticadas, para outra oportunidade.
Sobre as Principais Estratégias de Fidelização
Atualmente, podemos identificar duas principais estratégias de fidelização: a concessão de descontos em uma função do prazo de contratação e a oferta de pacotes de serviços. A concessão de descontos é estratégia que pode ser considerada clássica, presente em vários mercados de diversos setores, enquanto a oferta de pacotes surge em um cenário próprio de convergência e inclui usualmente serviços de voz, banda larga e TV por assinatura. Normalmente, há uma combinação das duas estratégias, oferecendo-se o pacote de serviços com um desconto vinculado ao prazo do contrato.
Exemplos comerciais dessas estratégias são o Trio Extreme (da Telefônica e TVA) e o NET Combo (da Net e Embratel). TIM e Oi possuem pacotes agregando telefonia (móvel inclusive) e banda larga.
A seguir propomos alguns testes quanto à legalidade de tais estratégias, os quais, como apontado no início do texto, devem considerar principalmente a legislação consumerista e concorrencial.
Fidelização por Descontos
A oferta aos consumidores de descontos na aquisição de serviços é quase sempre benéfica e sinaliza a existência de pressão competitiva no mercado. Entretanto, quando a oferta de descontos está vinculada à fidelização do cliente por um determinado período de tempo começam a surgir questões de cunho legal que merecem ser enfrentadas. Em especial por que a maneira de impor a fidelização por tempo geralmente consiste no estabelecimento de uma penalidade em caso de rescisão antecipada do contrato, dificultando a saída do cliente da relação contratual, o que por si só já poderia ser indício de abusividade na relação.
Há posicionamentos judiciais contrários à fidelização, argumentando que a cláusula pode tornar a contratação excessivamente onerosa ao consumidor, em aberta violação do Código de Defesa do Consumidor (L. n. 8.078/90), seja por abusividade da cláusula (Art. 51, IV) seja por onerosidade excessiva da obrigação (Art. 51, par. 1º, III). Entretanto, a maioria das decisões recentes (2008 e 2009) do Tribunal de Justiça de São Paulo tem sustentado a legalidade de tais contratos, desde que estejam presentes dois elementos: proporcionalidade entre as obrigações e manutenção integral do serviço/produto contratado pelo período da fidelização (Ver Apelação com Revisão n. 1.013.010-0/0, Apelação n. 7164524-8, Apelação com Revisão n. 1.149.187-0/1, Apelação n. 529.167.4/3-00 e Apelação com Revisão n. 1201549-0/0). Há, ainda, referência a um terceiro elemento, a previsão em norma regulatória, aspecto esse que merecerá comentário específico ao final desta parte.
Muitos casos questionando a fidelização chegaram ao Superior Tribunal de Justiça, mas sequer foram analisados no mérito, pois tiveram seu seguimento negado por aspectos processuais. Entretanto, em algumas das decisões o STJ teceu comentários que dão a entender pela legalidade das cláusulas de fidelização, mesmo sem adentrar na análise do mérito.
Como se vê, de forma geral o Poder Judiciário vem entendendo que a fidelização é um instrumento legítimo utilizado pelas operadoras de telecomunicações. Note-se, entretanto, que os casos analisados envolvem serviços móveis (Serviço Móvel Pessoal), cujo regulamento (Resolução Anatel n. 477, de 7 de agosto de 2007) prevê expressamente, no seu art. 40, o chamado Prazo de Permanência, de no máximo 12 meses. Quanto aos demais serviços, a regulamentação é menos explícita, como se verá mais adiante.
Passemos a analisar com um pouco mais de detalhe o que significam os dois requisitos apontados – proporcionalidade e manutenção do serviço – que são fundamentais para a avaliação quanto à legalidade da estratégia de fidelização.
A proporcionalidade das obrigações é a equivalência entre o benefício concedido ao cliente e a penalidade a ser aplicada no caso de rescisão antecipada. É decorrência direta da previsão legal que veda contratos excessivamente onerosos ao consumidor, bem como dos princípios contratuais da boa-fé e eqüidade. A explícita equivalência entre as obrigações é o elemento capaz de afastar de forma evidente uma excessiva onerosidade.
Na prática, a lógica é relativamente simples e podemos ilustrar com um exemplo comum: a oferta de aparelhos de telefonia celular em função da contratação por um prazo mínimo. A operadora oferece um aparelho com desconto em relação ao seu preço normal de mercado. O cliente aceita a oferta e se compromete a celebrar e permanecer contratado com a operadora em um determinado plano de serviço. Caso o cliente encerre o contrato antes do final do prazo acordado, deve restituir à operadora o valor do desconto concedido na aquisição do aparelho, considerado proporcionalmente o período de tempo em que se manteve a contratação. A mesma lógica vale para qualquer benefício que seja ofertado ao cliente, seja desconto parcial ou integral em equipamento, desconto em valores de instalação e mesmo desconto no próprio plano de serviços.
A questão da proporcionalidade é relativamente simples quando há facilidade em encontrar um denominador comum entre o benefício e a eventual penalidade, normalmente um valor em dinheiro, o que permite a efetiva comparação entre a multa e o valor de benefício. Reduzindo-se ambos a um denominador comum – geralmente financeiro – é possível avaliar com tranqüilidade a equivalência entre as obrigações.
O outro elemento essencial à legalidade da fidelização por descontos é a manutenção integral do serviço durante todo o período contratado. Em outras palavras, se houver interrupção na prestação do serviço, por óbvio que resta prejudicada a fidelização, que não pode, portanto, ser exigida. Trata-se de evidente aplicação do princípio contratual de que o acessório segue o principal. O contrato de prestação de serviço tem natureza de principal, portanto, em havendo sua inexecução, não há que se falar em manutenção da condição de fidelização, pela natureza claramente acessória deste.
Embora a circunstância acima possa parecer até singela, na prática algumas questões sensíveis podem surgir. É possível que a prestadora simplesmente interrompa o serviço, dando inequívoca causa ao fim do contrato, mas o mais provável é que características como a qualidade ou a continuidade sejam prejudicadas, levando a um questionamento, pelo usuário, se o contrato está sendo adequadamente cumprido. A verificação do efetivo descumprimento do contrato, neste caso, certamente exige análise mais detida, mas pode eventualmente levar a um cancelamento da condição de fidelização em função do cancelamento do próprio contrato por inadequação do serviço prestado. Outra possibilidade é que o benefício concedido “pereça”, simplesmente deixe de existir. O exemplo óbvio é o aparelho celular oferecido com desconto que acaba por ser furtado. À primeira vista, parece não haver nenhuma responsabilidade da operadora e, portanto, não haveria motivo para cancelamento do serviço, cabendo ao usuário obter um novo aparelho. Entretanto, é possível argumentar que a falta do aparelho inviabiliza o serviço, prejudicando assim o contrato e autorizando o seu cancelamento sem penalidade. Ainda, a circunstância onerosa de ter que adquirir um novo equipamento não poderia ser imposta ao usuário. Há, inclusive, precedente judicial do TJSP nesse sentido. Talvez uma alternativa para prevenir tais casos seja a oferta incluir um seguro para o equipamento, de modo similar ao que ocorre no caso de financiamento de automóveis com alienação fiduciária. Ressalte-se que o entendimento apresentado no caso de furto do aparelho não se aplica no caso de mera perda, pois nesse caso houve culpa do usuário ao não cuidar corretamente do aparelho.
Vê-se, assim, que a questão pode ficar um pouco mais controversa se a circunstância envolver algum prejuízo ao serviço principal, que acabe por tornar irrazoável manter a fidelização contratada. É necessário, portanto, criar instrumentos para que o usuário continue, durante todo o período de fidelização, com integral acesso a um serviço de qualidade, nos termos do que foi contratado.
Quanto ao que estabelece a regulamentação de cada serviço, aspecto também relevante nas análises judiciais existentes, já adiantamos que o SMP autoriza expressamente a fidelização, limitado o período a 12 meses.
Os serviços de voz (STFC), de forma geral, exigem que as ofertas de descontos ou outras vantagens aos usuários sejam isonômicas e observem critérios objetivos (Resolução n. 426, de 9 de dezembro de 2005, arts. 36 e 37). Por sua vez, o art. 48, parágrafo 5º do mesmo Regulamento dispõe que a prestadora não pode estabelecer prazo de vínculo do assinante a plano alternativo de serviço. Como muitas vezes a fidelização ocorre vinculada a um plano alternativo, a interpretação estrita desse artigo pode criar dificuldades no caso do STFC. Deve-se estabelecer, no caso concreto, condições contratuais para evitar que, com base neste artigo, a fidelização acabe por ser considerada inválida.
No caso de TV por assinatura, os regimes variam, pois o serviço de cabo deve seguir a Lei do Cabo (Lei n. 8.977, de 6 de janeiro de 1995), enquanto as modalidades MMDS e DTH seguem o antigo Regulamento dos Serviços Especiais (Decreto n. 2.196, de 8 de abril de 1997). De qualquer modo, não há, em nenhuma dessas regulamentações, vedação ou autorização expressa à fidelização, devendo ser aplicada a regra geral de todos os serviços de telecomunicações: o tratamento isonômico e não discriminatório e a adoção de critérios objetivos para adesão a qualquer oferta.
No caso de SCM, há um artigo no Regulamento (Resolução n. 272, de 9 de agosto de 2001) que tem sido, em alguns casos, interpretado como uma vedação à fidelização. Trata-se do art. 59, VII, que estabelece o direito do assinante de cancelar o serviço “a qualquer tempo e sem ônus adicional”. O argumento é que a multa por cancelamento em situações de fidelização configuraria “ônus adicional”. A nosso ver, tal posicionamento não procede, uma vez que a multa visa recompor o equilíbrio contratual em face do benefício concedido ao usuário e do descumprimento do período de fidelização, não há que se falar, portanto, em “ônus adicional”. Em alguns casos, diante desse entendimento, as prestadoras optam por, quando viável, estipular a fidelização em contrato separado do contrato de prestação do serviço (um contrato de comodato ou aluguel de equipamento, por exemplo, quando o benefício for um equipamento), o que poderia afastar a aplicação direta da regulamentação de telecomunicações. É importante manter-se atento para esta estrutura de contratação, pois mesmo que não esteja explícito nas condições contratuais, permanece a lógica de que o contrato referente ao comodato ou aluguel de equipamento é acessório ao contrato principal de prestação do serviço.
Pode-se, então, considerar que a fidelização por meio da concessão de descontos é uma estratégia que, embora comumente utilizada, não está imune a questionamentos, em especial no que se refere à regulamentação de telecomunicações. Entretanto, uma vez que as ofertas tenham caráter efetivamente benéfico ao usuário, parece-nos possível estruturar condições de contratação absolutamente compatíveis com a regulamentação aplicável.
Fidelização por Pacotes de Serviços
A outra estratégia de fidelização que vamos avaliar é o empacotamento de serviços. É possível encontrar no mercado pacotes incluindo acesso banda larga à Internet, TV por assinatura e serviço de voz (telefonia), todos juntos, ou uma combinação desses serviços. Há também no mercado pacotes combinando ligações móveis e fixas.
A motivação do empacotamento, de início, talvez tenha sido a convergência tecnológica, como já mencionado neste texto, que permite que uma mesma infra-estrutura física suporte vários serviços de telecomunicações. Entretanto, o que realmente impulsiona atualmente a oferta de produtos empacotados é a percepção, por parte das operadoras, de que o cliente deseja ter todos os serviços de telecomunicações em um único fornecedor, uma espécie de “one stop shop”. Até mesmo porque nem todos os pacotes atualmente ofertados podem ser realmente considerados convergentes, pois nem sempre se baseiam na mesma infra-estrutura física. Há, inclusive, casos de pacotes ofertados por empresas pertencentes a grupos distintos, o que reduz ganhos de eficiência pela dificuldade na integração de áreas e sistemas internos. De qualquer modo, independentemente da estrutura que suporta a oferta de serviços empacotados, eles precisam estar adequados a legislação e regulamentação aplicáveis. Nesse sentido, gostaríamos de sugerir alguns testes para verificar exatamente essa adequação.
O principal teste é o da venda casada, que deve ser avaliada tanto na sua faceta consumerista quanto concorrencial, como se explica a seguir.
Do ponto de vista consumerista, o teste é relativamente simples, basta checar se há oferta e disponibilidade dos serviços de forma individual. O Código de Defesa do Consumidor (CDC, L. 8.078/90) estabelece como prática abusiva condicionar o fornecimento de um serviço ou produto ao fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I). Assim, em havendo a disponibilidade individual de cada serviço do pacote, a princípio, fica afastada a hipótese de venda casada contrária à Lei 8.078/90.
Há, entretanto, um aspecto que merece atenção. O preço cobrado pelos serviços individualmente deve ser razoável e economicamente justificável. Ou seja, não faz muito sentido que o preço do produto/serviço individual seja maior do que o seu preço quando integrado no pacote. Situações em que isso ocorre podem gerar dúvidas quanto à sustentabilidade econômica do pacote e, conseqüentemente, os reais objetivos da oferta. Embora esse teste possa indicar alguma questão concorrencial, como veremos logo a seguir, é também provável que traga prejuízo imediato ao consumidor, na medida em que pode induzir a aquisição de forma praticamente irresistível, pois o preço do serviço fora do pacote seria francamente irrazoável, sendo irracional adquiri-lo individualmente. Essa situação pode, na prática, trazer efetivo prejuízo aos usuários, pelo simples fato de se induzir a aquisição de um serviço indesejado.
Do ponto de vista concorrencial, a questão a ser endereçada é a possibilidade de abuso de posição dominante pela operadora que oferta o pacote. A estratégia de empacotar determinados serviços pode configurar infração à ordem econômica caso um deles seja dominante em seu mercado e tenha capacidade de alavancar outro serviço, no qual não há tal posição dominante. Tal prática é conhecida como alavancagem ou “tie-in”. A conduta anticompetitiva ocorre pela possibilidade de transferência de poder de mercado de um serviço para outro, em detrimento da competição em um dado mercado (Lei n. 8.884\94, Art. 21, XXIII). Entretanto, para que tal possibilidade exista é necessário que (i) haja efetivamente uma posição dominante em relação a um dos serviços do pacote, e (ii) haja obrigatoriedade de aquisição dos serviços conjuntamente – ou uma vantagem tão expressiva que seria irracional adquirir separadamente.
No caso acima descrito, estaríamos diante de uma possível conduta anticompetitiva, a ser avaliada pelas autoridades concorrenciais. Dizemos possível por que o Direito Concorrencial não autoriza conclusões imediatas, sendo imprescindível uma análise do fato concreto e de seu efetivo impacto no mercado (“Regra da Razão”). Mas, para evitar o risco de questionamento, é importante considerar a eventual existência de poder de mercado em um dos serviços, atentando para este fato e, em qualquer caso, não impor a sua aquisição exclusivamente conjunta, de modo similar ao que requer também a legislação consumerista.
Note-se, porém, que a análise antitruste é extremamente complexa, sendo por vezes difícil caracterizar a efetiva existência de poder de mercado, que dirá a real possibilidade de impacto econômico em um dado segmento no caso de seu abusivo exercício. Nesse sentido, cabe sugerir um teste adicional. Deve-se verificar se os valores cobrados pelo pacote são compatíveis com as eficiências – econômicas e administrativas – alegadamente geradas pela sua oferta conjunta. Esta avaliação está diretamente relacionada aos preços dos serviços individualmente – aspecto cuja importância já levantamos – que devem ser absolutamente justificáveis. Alguns exemplos de justificativas para a redução de preço dos serviços empacotados podem ir desde a redução no custo de aquisição do cliente até a utilização conjunta de equipes de manutenção, por exemplo. Obviamente que tais justificativas devem estar devidamente lastreadas nos fatos, pois a inexistência ou fragilidade delas pode indicar algum vício na construção do pacote, que acaba por prejudicá-lo como estratégia de fidelização.
Cabe, neste momento, uma breve revisão do que prevê a regulamentação de telecomunicações quanto à oferta de pacotes.
O STFC, dada sua característica de serviço básico de telecomunicações, é o que contém maiores restrições. Dentre os direitos do usuário há o de não ser obrigado ou induzido a consumir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse, ou impor qualquer condição para recebimento do serviço (Resolução n. 426, art. 11, XVIII). Mais explicitamente, os arts. 38 e 39 do Regulamento parecem vedar qualquer oferta de pacotes envolvendo STFC, conforme texto reproduzido a seguir:
- Art. 38. É vedado à prestadora condicionar a oferta do STFC ao consumo casado de modalidade do STFC ou de qualquer outro serviço de telecomunicações ou PUC, prestado por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou controladora.
- Art. 39. É vedado à prestadora com PMS oferecer vantagens ao usuário em virtude da fruição de outra modalidade do STFC, de outro serviço de telecomunicação ou, ainda, de serviços adicionais ao STFC, ainda que prestados por terceiros, em ofertas prejudiciais à justa competição.
Entretanto, tais artigos não devem ser interpretados de forma absolutamente restritiva. No caso do art. 38, parece claro que a oferta dos serviços também de forma individual é suficiente para descaracterizar qualquer irregularidade da ação. No caso do art. 39, considerar que não é possível oferecer nenhuma vantagem aos usuários do STFC seria absurdo, sendo, portanto, mais razoável focar a parte final do artigo, entendo-se que se está tratando somente de ofertas prejudiciais à competição. Ou seja, somente vantagens que gerem prejuízo à competição estão vedadas, o que nos remete à parte concorrencial deste texto.
No caso do SCM, o art. 50 do regulamento (Resolução n. 272) traz disposição semelhante à do regulamento do STFC, conforme texto reproduzido a seguir:
- Art. 50. É vedado à prestadora condicionar a oferta do SCM à aquisição de qualquer outro serviço ou facilidade, oferecido por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou controladoras, ou condicionar vantagens ao assinante à compra de outras aplicações ou de serviços adicionais ao SCM, ainda que prestados por terceiros.
- Parágrafo único. A prestadora poderá, a seu critério, conceder descontos, realizar promoções, reduções sazonais e reduções em períodos de baixa demanda, entre outras, desde que o faça de forma não discriminatória e segundo critérios objetivos.
Entretanto, a segunda parte do artigo pode gerar controvérsia, pois veda a oferta de qualquer vantagem condicionada à aquisição de “outras aplicações ou de serviços adicionais ao SCM”. Pode-se argumentar que, no caso de pacotes, não estão sendo oferecidas aplicações ou serviços adicionais ao SCM, mas serviços de natureza distinta, como TV por Assinatura, por exemplo. Entretanto, ainda assim este artigo pode gerar questionamentos, em especial quando efetivamente estivermos diante de aplicação ou serviço adicional ao SCM, como, por exemplo, pacotes pay-per-view ou serviços de VoD (Vídeo sob demanda). De qualquer modo, seria um contra-senso que o SCM, serviço prestado unicamente em regime privado, tivesse uma condição regulamentar mais restritiva que o próprio STFC, o serviço básico de telecomunicações por excelência. Novamente, é o caso de, avaliando a oferta concreta, buscar a melhor estrutura contratual que garanta a sua regularidade.
A regulamentação dos serviços de TV por assinatura não oferece maiores impedimentos à constituição de pacotes. A recente Resolução n. 488, de 3 de dezembro de 2007 (Regulamento de Proteção e Defesa dos Assinantes), reproduzindo, em seu art. 3º, XIX, a disposição constante nas regulamentações dos demais serviços quanto a não induzir o usuário a adquirir bens ou equipamentos que não sejam de seu interesse.
O SMP, por sua vez, segue linha idêntica no seu art. 6º, XVIII, estendendo a vedação também à aquisição de serviços que não sejam de interesse do usuário. Há, ainda, o art. 29 do Regulamento do Serviço, reproduzido a seguir, que estabelece restrição idêntica à do SCM e ao STFC:
- Art. 29. É vedado à prestadora condicionar a oferta do SMP ao consumo casado de qualquer outro serviço ou facilidade, prestado por seu intermédio ou de suas coligadas, controladas ou controladora, ou oferecer vantagens ao Usuário em virtude da fruição de serviços adicionais ao SMP, ainda que prestados por terceiros.
Vê-se, portanto, que a regulamentação, embora não autorize explicitamente o empacotamento de produtos, tampouco o veda caso não configure imposição ao usuário. Cabe, assim, avaliar cada pacote de modo específico, sendo que o aspecto mais relevante deve ser, sem dúvida, a existência de efetiva vantagem para o consumidor.
Um aspecto que traz grande complexidade aos pacotes é a variedade de condições regulamentares de cada serviço. Assim, enquanto no SMP a suspensão parcial do serviço por inadimplência pode ocorrer em 15 (quinze) dias, no STFC o prazo é de 30 (trinta) dias, enquanto o regulamento de SCM não estabelece prazo algum, para ficar em apenas um exemplo dos diversos regimes dos diferentes serviços. Vários serão os casos em que a prestadora terá distintas condições de prestação do serviço, muitas vezes quanto a direitos fundamentais dos usuários. Nesse caso, a prudência recomenda que sempre se utilize a condição que for mais favorável ao cliente. Mas as dificuldades práticas certamente se revelarão inúmeras à medida que os pacotes forem se tornando mais e mais sofisticados.
A fidelização é uma estratégia que pode ser benéfica tanto para usuários quanto para operadoras. As operadoras devem estar atentas às características das suas ofertas, devendo sempre buscar o máximo de benefício ao usuário, observada a compatibilidade com seu modelo de negócio. Fazendo isso, muito provavelmente será possível estruturar juridicamente a oferta de modo a respeitar os requisitos legais e regulamentares. Usuários consumidores – e suas associações – devem estar atentos às ofertas de mercado, verificando com cautela as informações quanto às suas características, sem no entanto deixar que visões radicais acabem por excluir do mercado condições realmente vantajosas, e que acabam por reduzir barreiras de entrada dos consumidores e proporcionar maior qualidade e comodidade na prestação do serviço.
Os testes sugeridos nesse artigo obviamente configuram opinião do autor, entretanto, acreditamos que a sua aplicação é extremamente útil na avaliação quanto à regularidade das condições de fidelização que são oferecidas aos usuários.
De modo, geral, garantindo-se a equivalência de obrigações e prestação integral do serviço durante o período de fidelização contratada – o que quase sempre significa uma vantagem real ao consumidor que adere a tais condições contratuais – não há porque vedar as cláusulas de fidelização. Por outro lado, se a condição de fidelização não resultar em claro benefício ao consumidor, ou ainda pior, trouxer prejuízo, a fidelização será juridicamente frágil, mesmo que todos os cuidados sejam tomados.
Referências
- Agência Nacional de Telecomunicações: www.anatel.gov.br
- Conselho Administrativo de Defesa Econômica: www.cade.gov.br
- Tribunal de Justiça de São Paulo: www.tj.sp.gov.br
- Superior Tribunal de Justiça: www.stj.gov.br
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